Na última década, tem se falado muito
na transição epidemiológica e incremento das doenças crônicas na população mundial,
emergindo a necessidade de mudança de modelo de atenção, pois os atuais centram-se
nas condições agudas. Cabe questionar o que estamos produzimos com os modelos
de atenção e o que mesmo queremos? O paradigma predominante continua sendo o centrado
na doença e nos saberes bio-médicos. Produz-se a cronificação dos modos de
viver e a medicalização da sociedade, colocando os indivíduos no lugar de
eternos dependentes dos serviços sanitários. O indivíduo deixa de ser uma
pessoa e torna-se um “crônico” e assim passa a ser chamada e visto pelo sistema
sanitário. Tanto que o modelo é para os “crônicos” e não para as pessoas com
condições crônicas. E parece não haver outras possibilidades para (con)viver com
a nova condição de saúde. Trata-se não de negar sua existência, mas de, ao
invés de restringir sua terapêutica medicalizante e focada no diagnóstico, de
ampliar o olhar para a pessoa dentro do seu contexto de vida e demais elementos
pertencentes ao processo. Estimula-se mais a medicalização que a mudança de
hábitos de vida ou caso se incentive este, é no sentido “obrigatório”, rígido e
restrito. Não são tomados em conta os elementos estressantes, momento de vida e
os aspectos sociais, na maioria dos casos. E logo as respostas são: “ele não
adere ao tratamento”. Por que será?
Há uma maior implicação com os aspectos
clínicos diagnósticos que com os demais processos da vida. Os modelos atuais de
atenção tal e como estão estruturados não têm demonstrado eficácia na atenção
às condições crônicas. No entanto, a criação de novos modelos mantém o
paradigma dominante, planejado dentro de um sistema fragmentado. A diferença
das propostas é a criação de espaços específicos para os chamados “crônicos”, como
foi o caso da saúde mental, que mais segmenta e fragmenta que integra as
pessoas à sociedade. Enquanto não houver uma mudança de paradigma real, cujo
foco de intervenção seja a pessoa dentro do seu contexto, valores e cultura e
não a doença, a criação de diferentes modelos tende a continuar fracassando.
A cronificação criada pelo próprio
sistema de saúde coloca a pessoa como dependente dos serviços de saúde, retira
sua autonomia e possibilidade de escolha, colocando-a em um lugar de não saber
cuidar de si. Como se os profissionais de saúde detivessem o “saber” sobre o “outro”.
É como se o modelo de cuidado ao imputar um rótulo diagnóstico tão
verticalizado dissesse: você está condenado a esta prisão “eterna” e necessitará tomar remédios para o resto de
sua vida. Não que em alguns casos não seja necessário o uso de fármacos, mas as
intervenções, em sua maioria, caminham nesta direção e não se investe em outras
formas nas quais o sujeito pode recorrer a mudanças em estilos de vida, a
aprender a (con)viver com a nova condição de saúde de forma a controlá-la e
diminuir o seu impacto. As terapêuticas seguem um caminho da clínica restrita e
não ampliada. E como queremos respostas diferentes se nos mantemos no mesmo
paradigma?
Qual é o modelo de cuidado que mais usufrui da construção dediagnósticos e de terapêuticas condenatórias do ponto de vista da existência? Modelos médicos de cuidado altamente centrados em gastos no campo
tecnológico independente da sua efetividade. Este modelo de crônicos criam
sistemas quase impossíveis de serem sustentados. O modelo americano é um
exemplo disso, apresenta altos gastos e baixa eficiência, sendo insustentável.
E a tendência é que outros países adotem estratégias americanas, como a
modificação do modelo inglês e importação do “management care” para a
organização da rede básica inglesa, que incorpora conceitos do gerencialismo
onde quanto mais uma equipe economizar, mais lucratividade terá. Será que
queremos compartilhar este modelo?
Um dos grandes nós é como
vamos articular o conhecimento à prática, repensar os paradigmas e cuidado em
saúde, introduzir mecanismos de cogestão democrática, trabalhar com o conceito
clínica ampliada e compartilhada e modificar a formação dos profissionais
baseado no paradigma de saúde ampliada,
pois quem opera os sistemas de saúde são sim as pessoas com tecnologias leves mais do que com tecnologias duras.
O objetivo do sistema de saúde deveria ser ampliar a capacidade
dos cidadãos cuidarem de si mesmo, de saberem onde procurar auxílio quando
necessário. Aumentar a autonomia independente da condição de saúde, diminuir a
dependência dos usuários aos serviços e profissionais de saúde, assim como dos
medicamentos.
A forma como se trabalha e se organiza o cuidado depende muito do
modelo de atenção estabelecido, com qual paradigma se opera, qual o grau de
autonomia (possibilidade de escolha) e de motivação dos trabalhadores e
usuários, e como se dá sua implicação no processo de estabelecimento de
projetos terapêuticos singulares. As estratégias de controle não tem demonstrado
eficácia e por tanto, cabe à mudança de modelo e de paradigma. Não existe um
modelo único e exemplar, os modelosestão aí para serem modificados, recriados e reinventados, de acordo com o
que há de singular em cada contexto e cultura. E cabe sim sua constante
avaliação para modificação. Aprender passa pela capacidade de escuta, observação
e trocas. A clínica precisa ser reinventada, esgarçada, ampliada e
compartilhada, baseada, sobretudo, na construção de vínculo e acompanhamento de
vida e não somente de doenças.
Liana Della Vecchia
@LianaDellaV
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