sábado, 22 de marzo de 2014

Sustentabilidade e a fragmentação dos sistemas de saúde: alguns dispositivos para (re)composições



Um dos grandes entraves dos sistemas de saúde é a sua fragmentação que dificulta a coordenação e continuidade do cuidado. A maioria dos países com sistemas universais de saúde utiliza o modelo centrado na Atenção Primária (APS), tonando-se o centro da rede de atenção e responsável por coordenar as intervenções. No entanto, há uma difícil comunicação entre níveis (atenção primária, especializada e hospitalaria) tanto pelas barreiras nos canais de comunicação, como pela burocratização do sistema, conflitos entre níveis e profissionais, falta de vontade política e pouca credibilidade neste modelo. Outro grande obstáculo é a dificuldade de mudança de paradigma, que segue centrado no modelo bio médico - focado na doença, nos sintomas e na produção de sujeitos dependentes da assistência ao invés de fomentar a autonomia, a crítica e a rede de apoio social.

O sistema de saúde brasileiro se organiza, tradicionalmente, de forma verticalizada e hierarquizada, havendo uma transferência de responsabilidade (encaminhamentos) e não um compartilhamento e corresponsabilização do cuidado. Na tentativa de efetivar a mudança de paradigma e modelo, bem como de superar a fragmentação da atenção e a verticalização dos saberes e fazeres (gestão e atenção), propõe-se o arranjo organizacional de equipe de referência (ER) e apoio matricial (AM) objetivando uma maior integração e corresponsabilização do cuidado interdisciplinar. 
 
Função-Apoio

A função-apoio vem sendo discutida desde 1999 por Gastão Campos que a propõe como processo de democratização institucional e método para superar a racionalidade gerencial verticalizada, compartimentalizada e produtora de processo de trabalho fragmentado. Posteriormente, foi incorporada na Política Nacional de Humanização, em 2004 (HumanizaSUS). No âmbito gerencial, estes arranjos buscam consolidar uma cultura organizacional democrática e, no nível epistemológico, visa a articulação do conhecimento para valorizar a singularidade dos casos e possibilitar a integração e produção de saberes entre os diferentes profissionais da rede assistencial (entre níveis).

 

Apoio Matricial e Equipe de Referência

A equipe de referência (ER) é o conjunto de profissionais responsável por determinada população de um território, como na APS ou uma equipe que se responsabiliza pelos mesmos usuários cotidianamente em um Hospital. A ER estabelece um vínculo e a continuidade das ações em saúde. O apoio matricial (AM) tem como função apoiar a ER para a qualificação e construção da rede assistencial integrada.  Campos e Domitti definem AM e ER como arranjos organizacionais e metodológicos para a gestão do cuidado, objetivando expandir as possibilidades da clínica ampliada e integração das distintas especialidades e profissões para assegurar maior eficácia e eficiência das ações em saúde. Esta proposta reorganiza os organogramas dos serviços, deslocando o poder das profissões e corporações de especialistas, reforçando o poder da equipe interdisciplinar. Dessa forma, a unidade gestora passa a ser a ER transformando a lógica vertical das equipes especializadas, que passam a oferecer apoio técnico horizontal às equipes interdisciplinares de referência.

Esta metodologia fomenta a construção projetos terapêuticos integrados e articulados entre equipes (de referência e apoiadores) e entre setores. Discutem-se modalidades de interconsulta para operacionalizar o AM:

·        Atendimento conjunto: consulta, visita domiciliar, coordenar um grupo, realizar um procedimento - em conjunto com a ER;

·       Discussão de casos/formulação de projetos terapêuticos singulares.


Nas duas formas, preconiza-se a participação de membros de ambas equipes (ER e AM) para potencializar a troca e produção de saberes e práticas em ato, ao aprender fazendo e produzir aprendendo, oportunizando um processo de formação permanente dos trabalhadores e ampliando o olhar e a capacidade resolutiva da atenção. Há, também, a possibilidade de intervenções complementares especializadas dos apoiadores, quando necessário, com o princípio de que a ER continua como responsável pela condução dos casos.
Apoio Institucional

Outro dispositivo importante nos processos de mudança organizacional é o Apoio institucional. Trata-se de um dispositivo para ampliar a capacidade de reflexão, entendimento e análise de coletivos, na busca de fortalecê-los e qualificar suas intervenções e produção de saúde. Tem como objetivo principal fomentar e acompanhar processos de mudança nas organizações, ofertando suporte a estes movimentos. Utilizam-se conceitos e tecnologias advindas da análise institucional e da gestão. O apoio institucional tem como diretriz a democracia institucional e a autonomia dos sujeitos e ocupa um lugar entre a clínica e a política, no sentido da transversalidade das práticas e dos saberes no interior das organizações.

Entende-se a função do apoio como chave para a instauração de processos de mudança em grupos e organizações, pois o objeto de trabalho do apoiador é o processo de trabalho das equipes e como se organizam para produzir saúde, buscando novos modos de operar. Através destes dispositivos, é possível fomentar a sustentabilidade de sistemas de saúde integrados e articulados, com intervenções resolutivas, equitativas e acessíveis aos países e seus cidadãos. Finalizo com uma reflexão proporcionada pelo Gastão Wagner Campos sobre a necessidade de repensar o modelo de gestão.


https://www.youtube.com/watch?v=ZQJnb40bKEI

 
                                                                                                                               Liana Della Vecchia

 

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